segunda-feira, julho 23, 2007

A elfa e a vampira - final

Anna entrou na sala de DCAT alguns instantes antes do professor começar sua aula, que alguns consideravam desnecessariamente negra demais. Sentou-se em uma carteira sozinha. Os livros que tinha ocupavam o outro assento e insinuavam acertadamente que a sonserina não queria companhia naquela aula. Ignorando o fato de o professor ser o diretor de sua casa e estar falando sobre maldições e feitiços defensivos, a morena de olhos verdes começou a escrever algo aleatório no pergaminho. Como um poema, ou uma crônica talvez. Não tinha passado do primeiro parágrafo quando sentiu como se um fantasma tivesse passado por ela. Tremeu involuntariamente. Procurou entre os alunos alguém que talvez tivesse notado o que tinha acabado de acontecer. Foi quando deu de cara com uma morena da grifinória, de orbes castanhas que a observava pelo canto dos olhos, de maneira muito sutil e quase que incessantemente.

Arwen Potter examinava à distância a garota pálida que julgava ser a causa do mal estar que sentia em todas as aulas conjugadas com a Sonserina. Fazia suas anotações sobre a matéria quase sem perceber, às vezes mal olhando para o pergaminho em sua carteira. Dentre muitas das coisas que achava ser fruto da sua imaginação deveras fértil, atribuir aquela sensação estranha à novata desconhecida não parecia ser mais um dos seus exageros. O anel de Lórien não deixava dúvidas sobre o pressentimento, queimando o dedo anular esquerdo da menina enquanto provocava rodopios leves em sua cabeça e um frio gélido ascendia pela espinha dorsal da semi-elfa. Quase hipnotizada, parou de mover sua pena e seus pensamentos voaram dali para o Madame Puddifoot, pairando exatamente no momento em que conversava com o professor Lupin e recebia os recortes antigos de jornal.

Ela os tinha guardado com cautela, apesar de aparentemente haver desistido de bancar a Marota Holmes. De súbito, sentiu uma chacoalhada de leve trazendo-a de volta ao mundo real. Era Alexis, que percebera o "transe" da amiga.

- Tá tudo bem? - perguntou baixinho.

- Tá. - respondeu monossilábica, ainda tentando juntar os fatos como num quebra-cabeças. O que o focinho tinha a ver com a tomada? Por que foi levada até aquela lembrança? Meneou a cabeça incrédula, ainda se sentindo estranha, e agora tentando evitar olhar a sonserina.

Anna notou que a grifinória que a observava desviou o olhar dela e respondia algo a sua companheira de carteira. Estreitou os olhos esmeraldados. O que é que aquela garota tinha que a deixava tão receosa? Seria talvez algum poder superior? Saberia ela do segredo que Anna guardava? Meneou a cabeça negativamente afastando esses pensamentos para longe. Não era possível. Foi quando a voz pro professor Snape cortou seus devaneios ao dirigir-se a ela.

-Senhorita Beckinsale - ele chamou calmamente, mas com um olhar furioso - Não costumo ter que chamar a atenção de alunos da minha própria casa, entretanto terei que fazê-lo se não me responder corretamente à pergunta que lhe farei.

Anna nada retrucou. Fitava o professor calmamente. Sentia vários olhares em si. Professor Snape repreendendo alguém da sua própria casa? Não, isso definitivamente não era normal.

-Eu acabei de falar que não existe maldição que possa ressuscitar os mortos. Entretanto há uma exceção a regra. A senhorita saberia nos dizer qual é?

-Sim - ela respondeu com uma frieza e calma que chegavam a ser penetrantes. - Entretanto não creio que se deva referir-se a isso como uma "maldição que possa ressuscitar os mortos". Eles se tornam zumbis. Nada mais que fantoches comandados por aqueles que conseguem executar o inferi com perfeição.

A sala ficou em silêncio aguardando a resposta do professor. Ele curvou o lábio no que acreditaram ser um meio-sorriso e prosseguiu sua aula. Todos então voltaram a suas anotações habituais.

- Inferi? - Arwen murmurou baixinho para Alexis ao seu lado - Ele não falou nada sobre isso. Como ela sabia?

- Vai saber... - a outra respondeu no mesmo tom baixo, mas ainda assim displicente - Ela é muito estranha. Viu como é pálida? Tá precisando tomar um solzinho hein?

- Olha só quem fala! - retrucou Potter com os cabelos negros formando uma cortina sobre seu rosto - A nua maldizendo a pelada!

Depois de um resmungo baixo e ininteligível da srta. Dumbledore e de umas poucas risadas abafadas não contidas vindas de si mesma, a grifinória de orelhas pontudas descortinou o rosto, ajeitando as madeixas negras atrás das orelhas. Fingia anotar a aula, mas seus pensamentos voavam outra vez. Mas não para o passado, nem para algum lugar distante. Estava ali mesmo, nas masmorras do morcego Snape, fixo na garota estranha. Não a encarava mais, porém não conseguia desviar a mente dali.

"Conhece bem artes das trevas, pelo que vejo... Quem será e de onde ela vem?" - pensava, enquanto rabiscava arabescos e bolinhas no pergaminho. "Muito estranho... mas não tenho nada com isso, a vida alheia não é da minha conta."


"Claro que é! A dela é sim!”
- respondia uma vozinha lá dentro da sua cabeça - "Se não fosse, o anel não arderia em sua mão, sua tola!"

Suspirando fundo, tentando se conter, olhou novamente de esguelha para a menina mais adiante. Prosseguiu seu debate consigo mesma.

"Nem tudo o que reluz é ouro e nem tudo o que arde no meu dedo é coisa do anel ou seja lá do que for de magia élfica. Se fosse assim, quantas outras vezes meu dedo teria queimado? Estou ficando louca, definitivamente, estou discutindo comigo mesma! Que absurdo!"

- Pois então, srta. Potter, menos 20 pontos para a Grifinória por estar falando sozinha. Não consegue segurar a língua dentro da boca nem para conversar com seus botões?

Ela se ajeitou na carteira, olhando sem graça para o professor diante dela e da amiga. Alexis olhava para o lado contrário, para não piorar ainda mais a situação.

- Já que está tão bem no assunto que pode se dar ao luxo de conversar sozinha, a senhorita poderia me dizer o que pode como se defender de um inferi? Se é que sabe do que estamos falando...

Ouviu um soar de risos da platéia sonserina, menos de duas pessoas ali presentes: Selina Grant e Anna Beckinsale permaneciam sérias, observando a grifinória à distância.

Arwen de fato não fazia a menor idéia de como se defender daquelas criaturas horrendas. Sabia o que eram por alto, já que eram repetidamente mencionados nos panfletos e cartazes do Ministério da Magia. O que aconteceu em seqüência foi tão súbito quanto o mal estar e quanto a discussão consigo mesma. Respondeu segura, como se dominasse o assunto. Ouvia claramente uma voz melodiosa soprando a resposta em sua singela orelhinha. Encheu-se de si mesma e respondeu ousadamente.

- Fogo, professor. - e sentiu os olhos amarelados da marota amiga ao seu lado, encarando-a com ar bestificado - Basta atear fogo em algum lugar para que os mortos-vivos se afastem e nos deixem em paz.

Respirou aliviada, mas sem saber de onde saíra aquilo. Não tinha dúvidas de que não havia errado a resposta. Fixou os olhos vítreos cor-de-mel nos escuros e estreitos do professor, quase com ar de desafio.

- Menos 5 pontos para a Grifinória pela petulância de responder algo à frente da matéria dada.

Alexis abriu a boca para protestar, mas Arwen a beliscou por debaixo da mesa, fazendo com que a companheira se calasse antes de falar. Melhor deixar como estava, perder mais pontos só atiçaria a ira de sua casa contra elas.

Anna estreitou os olhos pela segunda vez na aula. Era por isso então, em grande parte, o motivo da rivalidade entre sonserinos e grifinórios. A sonserina deu ombros para os próprios pensamentos. Era tolice discutir consigo mesma, aquela era uma aluna que não parecia ter nada de excepcional além da inteligência e da beleza. "E das orelhas pontudas" - uma vozinha na sua mente falou suavemente. Anna mordeu o lábio inferior com força quase fazendo-o sangrar. Tinha alguma coisa errada. "Você nunca realmente deu bola pra esses instintos vampíricos antes Anna, não vá dar agora e arranjar confusão logo de cara na escola nova" - ela repreendia-se mentalmente. Enquanto travava uma luta particular em sua mente não notou que os lábios já tinham começado a sangrar e que o som da voz do professor parecia estar se afastando cada vez mais. Piscou repetidamente. Via vultos pelo canto dos olhos. "E essa agora..." Logo os vultos começaram a se multiplicar e quando, finalmente uma gota de sangue pingou no pergaminho ela parecia ter sido engolfada pela escuridão. Tinha perdido a noção do tempo.

Olhou ao seu redor. Novamente os olhares da sala estavam em si.

-Senhorita Beckinsale, a senhorita está bem? - o professor perguntou.

Anna acenou afirmativamente com a cabeça. Não sabia o que tinha acontecido. Via alguns pingos de sangue no pergaminho que deveriam ser as anotações da aula. Passou a mão nos lábios limpando o restante do sangue. Professor Snape pigarreou e todos se voltaram para ele.

-Agora, já que a senhorita Beckinsale pôde voltar a si podemos dar prosseguimento à aula - ele falou em um tom desafiador. Ninguém ousou protestar.

Mais tarde, Anna fez uma anotação mental, de perguntar a Selina que diabos havia acontecido com ela.

Alexis deu um cutucão em Arwen, que agora encarava explicitamente a garota estranhamente bela da casa "rival". A cena de minutos antes se repetia em sua frente inúmeras vezes - Beckinsale escorregando pela carteira, com os braços pendidos, pescoço amolecido, porém virado para diante, olhos verde-esmeralda muito vivos, mas distantes, perdidos em algum lugar longínquo, fora de si... A pele pálida da garota se transformando em porcelana alva e fria, o sangue sumindo das veias enquanto os dentes dilaceravam o lábio inferior da menina e pintava de vermelho o rosto, as vestes e o material da garota. Um novo arrepio gélido percorreu a espinha da grifinória, que outra vez sentiu o mundo girar, mas conteve-se. Não daria mais motivos para descontos na pontuação da sua casa, nem mais shows para os expectadores de ambas as turmas. Entretanto, a pouca concentração que possuía se esvaiu. A visão da sonserina fora de si se repetia infinitas vezes, como uma tortura.

- Zoreia??? Tá me ouvindo? Acorda, filha de Merlim sem calças, a aula acabou, você vai ficar aí?

Alexis a despertara do seu sono profundo ainda que ela tivesse consciência de que se mantivera acordada o tempo todo. Quanto tempo se passou, não soube avaliar de imediato. Irritadinha a olhava cabreira, enquanto Arwen verificava se a sonserina novata estava bem. Viu Beckinsale sentada ainda em sua carteira, recolhendo muito devagar seu material. Teve ímpeto de se levantar e dirigir-se até a garota, mas repreendeu-se de novo. Precisava sair das masmorras o mais rápido possível, precisava de ar, precisava de sol, luz, calor... Necessitava urgentemente respirar. Mas os dias sombrios que pairavam sobre todos não permitiriam nada além de oxigênio para restaurar a vitalidade da grifinória, que mais uma vez sentia o peso do anel herdado de sua mãe. Saiu em passos apressados, quase correndo do subsolo da escola, deixando Alexis para trás.

Por Arwen e Anna Valerious.

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